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A ameaça da febre amarela no Brasil

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Cerca de 15% das pessoas infectadas pelo vírus da febre amarela desenvolvem a forma grave da doença


Os especialistas dizem que a epidemia atual é a maior da doença no país dos últimos 70 anos, embora os registros oficiais do Ministério da Saúde tenham se iniciado apenas em 1980 . “A febre amarela foi esquecida. Como a vacina é muito boa, quase não há pesquisa sobre a doença”, comenta o infectologista Benedito Antonio Lopes da Fonseca, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP- USP). 


“Não podemos brincar. A febre amarela pode matar até metade dos pacientes com sintomas graves.”


A maioria das pessoas não imunizadas que entram em contato com o vírus pode ser assintomática ou apresentar durante três dias um quadro caracterizado por dor de cabeça, febre, dor muscular, náuseas, vômito e fadiga. Se não é fatal, a doença acaba imunizando o paciente e o protege de futuras reinfecções. Por motivos ainda desconhecidos, cerca de 15% desenvolvem a forma severa da febre amarela, que, após uma semana, pode causar hemorragias graves e levar a óbito.


A circulação do vírus da febre amarela que causou as epidemias no Brasil e nos países africanos apresenta dinâmicas distintas. Aqui a doença ocorre apenas no ambiente silvestre, onde o vírus se perpetua em macacos, seu reservatório natural, que são picados por mosquitos dos gêneros Haemagogus e Sabethes. Os insetos, por sua vez, repassam o vírus para novos macacos, mantendo um ciclo de transmissão. Eles picam, eventualmente, seres humanos que se aventuram na floresta. Esses mosquitos não vivem nas áreas urbanas. Eles se reproduzem apenas em buracos de árvore, onde depositam seus ovos, que eclodem quando banhados por água da chuva.

Na África, além da circulação do vírus em meio às florestas, a disseminação da febre amarela ocorre em áreas urbanas e em regiões limítrofes entre as cidades e o campo por meio de uma terceira forma de transmissão específica do continente, denominada rural ou intermediária. Nas cidades, somente o mosquito Aedes aegypti, o mesmo que transmite a dengue, o zika e a chikungunya, causa a doença se estiver com o vírus e picar seres humanos. No ambiente rural, mosquitos da espécie Aedes simpsoni, que vivem tanto nos arredores das habitações como nas bordas das matas, disseminam a febre amarela.

No Brasil, não há casos de febre amarela urbana desde 1942. “Com base no que verificamos em outras epidemias da doença, surtos causados pela transmissão da febre amarela pelo Aedes aegypti ocorrem quando mais de 30% das habitações de uma região estão infestadas pelo mosquito”, explica o virologista Pedro Vasconcelos, diretor do Instituto Evandro Chagas (IEC), no Pará, uma das autoridades na doença. “Não imagino que índices tão elevados existam no Brasil. Na epidemia de Angola, os índices de infestação médios estavam acima de 50%.”



É verdade que parques e áreas silvestres nos arredores das cidades ou encravados nos centros urbanos podem ter populações de mosquitos selvagens capazes de transmitir a febre amarela em humanos se estiverem infectadas. Levantamento recente feito pelo entomologista Mauro Marrelli, da Faculdade de Saúde Pública da USP, encontrou mais de 90 espécies de mosquitos no Parque Estadual da Cantareira, zona norte da cidade de São Paulo, entre os quais exemplares dos gêneros Haemagogus e Sabethes. Nessa grande área verde, há também macacos, como o bugio, que, em tese, podem ser reservatórios do vírus da doença. “Ainda precisamos realizar novos estudos para ver se os mosquitos carregam ou não o vírus da febre amarela”, conta Marrelli.

A Cantareira também é palco de outro estudo, iniciado em outubro do ano passado pela entomologista Rosa Maria Tubaki, da Superintendência de Controle de Endemias (Sucen), da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. Ela averigua se os mosquitos silvestres da febre amarela apresentam preferência por se reproduzir em buracos de determinadas árvores e quais são as espécies arbóreas preferidas para abrigo dos bugios. “Esperamos fornecer dados que permitam identificar se a região metropolitana pode ser uma área de risco para a ocorrência de surtos de febre amarela em seres humanos e em macacos”, detalha Rosa Maria.


Um dos debates entre virologistas e epidemiologistas é se a febre amarela pode se tornar novamente uma doença urbana no Brasil. Para isso ocorrer, ela teria de voltar a ser transmitida pelo Aedes aegypti, que está adaptado às cidades do país. “Se nosso mosquito for tão eficiente quanto o Aedes aegypti africano em transmitir febre amarela, estamos sentados sobre uma bomba-relógio”, comenta o epidemiologista Eduardo Massad, da Faculdade de Medicina da USP. O infectologista Benedito Antonio Lopes da Fonseca, da FMRP-USP, considera provável a ocorrência de um ou outro caso esporádico de febre amarela urbana no Brasil, mas não vê condições objetivas para a eclosão de uma epidemia da doença nas grandes cidades. “Se a situação ficar muito crítica, todo país pode se tornar área de vacinação recomendável”, opina Fonseca. Nas últimas décadas, a parte do território nacional em que a imunização é prescrita só aumentou. Quase todo o Rio Grande do Sul é atualmente área em que a vacina é permanentemente recomendada.


Restrições da vacina

Fonseca também tem dúvidas se os mosquitos do gênero Aedes no Brasil são bons transmissores da febre amarela. Segundo estudo publicado em janeiro de 2016 na revista Vector-Borne and Zoonotic Diseases, do qual o infectologista é coautor, a infecção por dengue tende a predominar sobre a de febre amarela em células do Aedes albopictus, um “primo” do A. aegypti, cultivadas in vitro. Se essa hipótese for verdadeira, mosquitos do gênero Aedes com o vírus da dengue teriam dificuldade em ser infectados pela febre amarela.

A vacina é um grande diferencial no controle da febre amarela em relação ao combate de outras moléstias tropicais, antigas ou novas, como a dengue, a malária, a febre zika e a chikungunya, que não contam com um imunizante para combatê-las. Em tese, seria fácil conter epidemias de febre amarela se a vacina, que é feita com uma forma do vírus vivo atenuado, pudesse ser aplicada em 100% da população de uma região ou país. Duas questões impedem que isso seja factível. A primeira é de ordem médica. A vacina não é recomendada para todas as pessoas devido às reações que pode causar em grupos específicos, como gestantes e lactantes, pacientes imunodeprimidos, pessoas com mais de 60 anos, bebês com menos de 6 meses e alérgicos a ovos e a gelatina. “É preciso fazer um cálculo para saber qual a porcentagem ideal de uma população que deve ser imunizada”, explica Massad. Estima-se que, a cada milhão de indivíduos vacinados, um pode ter reações adversas graves e morrer.


O segundo ponto que impede a adoção generalizada da vacina é que se trata de um produto escasso no mundo. Apenas seis fabricantes a produzem e quatro são certificados pela OMS, que mantém um estoque de emergência com 6 milhões de doses do imunizante. A eclosão da epidemia em Angola e no Congo provocou um movimento internacional que levou à vacinação às pressas no ano passado de 30 milhões de pessoas. A falta do imunizante obrigou o emprego de doses fracionadas, com apenas 0,1 mililitro, um quinto do normal. Não se sabe por quanto tempo uma dose tão baixa confere imunidade à doença, mas o esquema deu um fim na epidemia africana.


O Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos), da Fiocruz, no Rio Janeiro, é o principal produtor mundial da vacina de febre amarela. A epidemia da doença no Brasil fez o instituto triplicar sua produção do imunizante nos dois primeiros meses de 2017. “Antes fabricávamos de 2 a 3 milhões de doses da vacina por mês”, diz o engenheiro químico Antônio de Padua Risolia Barbosa, vice-diretor de produção de Bio-Manguinhos. “Agora estamos produzindo entre 7 e 9 milhões de doses.” Há outras frentes de pesquisa nas unidades da Fiocruz, como desenvolver uma nova vacina que possa ser aplicada em todas as pessoas, sem restrições. “Testamos uma vacina de DNA em camundongos há dois anos que obteve 100% de sucesso em conferir imunidade”, comenta o biólogo molecular Rafael Dhalia, da Fiocruz de Pernambuco, um dos inventores do imunizante. “Estamos procurando parceiros dispostos a bancar os testes clínicos em humanos, que custam caro e demoram anos”, informa o pesquisador.



História Fonte Editada

Revista Fapesp

A ameaça da febre amarela
MARCOS PIVETTA | ED. 253 | MARÇO 2017
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