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CRÔNICA DE UM GOLPE : A versão de quem viveu o fato

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Primeiro capítulo


Os meus funcionários do Palácio do Planalto foram protagonistas e testemunhas de todo o processo. Alguns - mais experientes - certamente puderam prever que logo a traição bateria à porta do meu gabinete, sobretudo depois que fiz alterações necessárias no ministério e acolhi, na ante-sala, a colaboração de figuras que se aproximam dos governantes, sejam quais forem, porque não sabem sobreviver senão à sombra do poder. Esses anônimos funcionários acompanharam apreensivos o dia angustiante de 29 de setembro de 1992, a data de votação do pedido de impeachment no Congresso Nacional. Foi um dia tomado por articulações, dúvidas e certezas. Votos certos a meu favor, até mesmo de parlamentares amigos, foram de súbito revertidos depois de conversas reservadas, certamente gratificantes, com os articuladores golpistas. O incessante entra-e-sai do meu gabinete foi diminuindo à medida em que caía a tarde e avançava a sessão do Congresso, acompanhada por manifestantes concentrados inclusive no lado de fora daquela Casa, a que servimos meu avô Lindolfo Collor, meu pai Arnon de Mello e eu.

Fez-se escuro.

Com a ajuda de um pequeno controle remoto, acendi apenas as lâmpadas de halogênio direcionadas sobre a minha mesa. Completamente sob penumbra, foi invadido pela quietude o amplo gabinete que me acolheu por quase mil dias, desde 1990, e de onde governara com a certeza de que fazia as melhores escolhas para o meu País e a minha gente. Pedi para não ser incomodado. Fiquei só. Enquanto no Congresso a traição se manifestava e o golpe se consolidava, no meu gabinete nada se ouvia.

0 silêncio era total.

Nenhum aparelho de rádio ou televisão ligados, o telefone emudecido. Sequer murmúrios das duas saletas ao lado, onde estavam ajudantes de ordem e assessores mais íntimos. Durante alguns minutos, talvez trinta, quarenta, rendi-me às recordações de minha infância, da adolescência no Colégio São José, no Rio de Janeiro, dos conselhos de meu pai ( "no exercício da política, meu filho, é fundamental três coisas - paciência, paciência, muita paciência", dizia-me), das lutas em Alagoas, do processo arrebatador que me levou ao Planalto, da agonia de minha mãe no leito do hospital, da expressão assustada dos meus filhos, das decisões que tomei naquele gabinete finalmente deserto, escuro, silencioso.

Inerte, à janela, contemplando o nada, tentava ouvir o silêncio. Mas o que ouvi, de repente, foi um ruído surdo, um rumor de multidão, que saía do plenário da Câmara dos Deputados, chegava aos manifestantes e logo se espalhava, misturando-se a buzinas de automóveis. Percebi naquele momento que o impeachment havia sido aprovado. Continuei só, em pé, imóvel.

Era o fim.

Dali a instantes, o secretário-geral da Presidência da República entrou no gabinete e, às minhas costas, disse com voz clara, triste e respeitosa:

-Senhor Presidente , a votação acabou.

Voltei-me para ele e o dispensei da necessidade de fazer a comunicação do resultado da votação:

-Já sei Marcos. Não temos mais o que fazer. Vamos para casa.

Parecia um dia qualquer, mas era o último. Senti as mãos de Rosane entrelaçarem a minha, apertando-a vigorosa e carinhosamente. Sem mesmo olhar em seus olhos, imaginei-a assustada. As mãos firmes estavam frias, mais do que impõe o clima de Brasília nos outubros secos de manhãs geladas. Ela havia chegado minutos antes, perto das 10h, depois de o Chefe do Gabinete Militar (General Agenor Homem de Carvalho) ordenar ao hesitante piloto que o helicóptero fosse buscá-la em casa. Estava especialmente bonita naquela manhã, no tailleur rosa, simples mas elegante, e mantinha os cabelos curtos, emoldurando os olhos claros, naturalmente abertos e desafiadores. Havia outras pessoas no gabinete, mas por um momento senti-me absolutamente a sós com ela. Não me passava pela cabeça que ficaríamos assim, sozinhos, dali em diante, por um longo período. Convencera-me de que logo estaríamos de volta, após o triunfo da verdade.

De mãos dadas, deixamos o gabinete para entrarmos no pequeno reservado, onde muitas vezes refleti sobre as decisões necessariamente solitárias, para dali chegarmos ao salão do lado, onde aguardava um numeroso grupo de jornalistas, parlamentares, funcionários e até mesmo alguns curiosos. Diante da porta que nos separava daquelas pessoas, parei um momento para uma breve oração, concluindo quase com um sussurro: "dai-nos forças, meu Deus, para que superemos tudo isso com dignidade e fé".Ao abrir os olhos, encontrei os de Rosane a refletir uma serenidade espantosa. Afagou-me a mão mais uma vez. Em significativo silêncio, ela parecia dizer: "tudo bem, vamos enfrentar isso juntos". De modo algum parecia assustada, como imaginei antes. Ao contrário. Permanecia calma. Acho que nela se alevantara a tal valentia sertaneja, própria da minha gente do Nordeste. Rosane carregava uma dignidade da qual me orgulharei sempre.

À chegada do helicóptero na Casa da Dinda, horas antes, dera-me conta da rotina que se estabelecera no início do governo, 133 semanas antes, exatos 932 dias. Despedi-me com um beijo, lembrando que a aguardaria no Palácio do Planalto às dez horas da manhã daquele 2 de outubro, e acenei, como sempre fazia, para algumas pessoas que comigo trabalhavam na Casa da Dinda. À medida em que me aproximava do Planalto, sobrevoando a quietude da paisagem de Brasília e as águas do Paranoá, invadiu-me um certo sentimento de alívio, como se me encaminhasse para a última bataIha, a derradeira volta de uma corrida, o tempo final de uma partida.

"Vou finalmente descansar um pouco, retemperar as forças e partir para a luta", confortei-me, contemplando do alto da Praça dos Três Poderes, enquanto se realizava o procedimento de pouso. 0 percurso fora vencido em pouco mais de dois minutos. No terceiro andar do Planalto, encontrei o gabinete já com as gavetas vazias e sem as condecorações, mantidas antes em pequenos mostradores de madeira e vidro.

- Está tudo encaixotado, Senhor Presidente, disse-me alguém.

Símbolo de uma atitude moderna frente à administração pública, o computador que me servia estava finalmente emburrecido, sem memória nem saber. As fotografias de minha mulher e dos meus filhos desapareceram da mesa, assim como as imagens de Nossa Senhora da Conceição e de S. Francisco de Assis, esta um presente de Frei Damião de Bozanno. 0 gabinete voltara a ser frio e impessoal.

Os funcionários da Secretaria Geral da Presidência da República quiseram apresentar as suas despedidas. Estavam emocionados, com expressões carregadas, cabisbaixos.

Recebi-os no gabinete com um bom humor que os surpreendeu:

- Por que vocês estão aqui ?

Ficaram desconcertados, alguns sorriram, outros se abraçaram a mim, chorando.

A saída


O chefe do serviço de segurança ( coronel Darke Figueiredo) ponderou ao seu superior imediato - o chefe do Gabinete Militar - e logo o general Agenor trouxe a apreensão dos militares:

- Senhor Presidente, acho que seria mais seguro sair do Palácio pela garagem, no subsolo. Continuam chegando ônibus com manifestantes, que parecem muito agressivos, vão fazer barulho.

Compreendi a preocupação, mas recusei:

- Eles não metem medo em ninguém, general, eu os conheço. Vou sair pela porta da frente.

Não me seria possível, nem se o desejasse, deixar o Palácio pela garagem. Na realidade, desde cedo, ainda na adolescência vivida alí mesmo em Brasília, havia aprendido lições inestimáveis de coragem e destemor, que balizam o meu comportamento diante de ameaças assim. Enfrentei sem hesitar, no braço e inutilmente ( porque acabamos todos detidos), nos anos 60, os policiais que invadiram a biblioteca da Universidade de Brasília ocupada por nós, estudantes do Ciem ( o histórico Centro Integrado de Ensino Médio) e da própria UnB, que protestavam contra o acordo MEC-Usaid, assim como, mais tarde, desafiei os assassinos de aluguel que quiseram intimidar minha candidatura ao Governo de Alagoas e os intolerantes que tentaram barrar a nossa caminhada, na campanha presidencial. Como Presidente do meu País, eu não negaria à Nação as cenas da despedida, ainda que carregada de emoção e melancolia. Nem deixaria de enfrentar aqueles tolos que tentavam dar legitimidade a um ato de força.

A história dos homens se escreve com palavras vitoriosas, e se agora posso relembrar aqueles momentos com o distanciamento do tempo, é porque a vitória, no final, seria minha. Uma vitória contra todas as manobras engendradas e deflagradas em praticamente todo o território nacional pelas mesmas forças retrógradas que mantêm o Brasil neste anacronismo cruel, cuja expressão mais perfeita é certamente a perversa distribuição da renda. Foi com este estado de espírito que observei, através da vidraça, as figuras tristes de manifestantes que agiam como marionetes sem vontade própria, massa de manobra fiéis à velha máxima de mudar algo, qualquer coisa, para não mudar coisa alguma.

Dei instruções severas para evitar repressão policial, à minha saída do Palácio:

-A intolerância é o desespero dos fracos.

Conhecia-os mesmo, como dissera quase sem perceber ao general Agenor. Os que se aproximavam do Planalto, naquele momento, tinham a mesma consistência invertebrada dos que enfrentamos - e vencemos - na célebre campanha presidencial de 1989. Recordei até com certa saudade daqueles tempos aquecidos da campanha, quando adversários tentavam intimidar a minha candidatura com violência física.

A campanha

Em Niterói, bela cidade do Rio de Janeiro, nos bravos dias de campanha, manifestantes ofegantes e suados, "em nome da democracia", deram os braços para impedir a passagem de uma centena de caminhantes que me seguiam os passos, em direção ao clube Canto do Rio, para falar ao povo. Imaginavam que recuaríamos, amedrontados. Continuamos caminhando no mesmo sentido, sem hesitar. 0 encontro - talvez o confronto - seria inevitável. Enquanto caminhávamos, as agressões se sucediam. Como os gritos eram inúteis, porque não nos faziam parar; iniciaram-se as agressões físicas contra crianças e mulheres que nos acompanhavam vestindo camisetas e portando bandeiras de campanha. Um senhor de seus setenta e poucos anos foi obrigado a ajoeIhar-se com violência, para que lhe arrancassem a camisa collorida. Como numa batalha, defendíamos os nossos como podíamos, enquanto a caravana seguia imparável, a pé, para o confronto com aqueles que fechavam a rua adiante, de braços dados. Segui à frente, disposto a enfrentá-los. Logo atrás, soube depois, vinham apenas três assessores, Luíz Amorim, Dário César, Claúdio Humberto, este último atingido por uma pedrada que Ihe valeu sete pontos no rosto. A menos de dois metros do choque, os valentões romperam o "cordão", acorvadados, e passamos. Eles perceberam que já não havia mais crianças, mulheres e velhos a enfrentar.

E correram.

Gente que só vê o que quer publicou uma fotografia minha, nesse episódio, com punho cerrado e braço erguido sustentando que se tratava de um gesto menos cordial, a popular "banana". Ainda que fosse, teria sido uma reação natural, mas o importonte é que a expressão no rosto revelava a intenção de não me deixar intimidar. A boca aberta indicava que eu gritava algo de que nem me lembro, mas na certa teria sido um grito de guerra; do contrário, estou certo de que não teríamos chegado ao clube.

Militantes do atraso e de um fracasso muito próprio, manifestantes que atiram pedras e tentam impedir a livre manifestação não passam de gente que não pode mudar de idéia e por isso não quer mudar de assunto. E gritam, xingam, ofendem, como fanáticos que professam ódio irracional de quem não possui opinião e recusa a novo, o nascimento do futuro. Não sabem que a vioIência política é cúmplice da incompetência e criatura do poder absoluto.

Às 9h35 concluí a mensagem que decidira divulgar agradecendo à Nação, aos amigos e colaboradores, às classes trabalhadoras e produtoras e a todos os setores políticos - mesmo àqueles instalados entre os conspiradores, na oposição e fora dela, estes últimos funcionalmente próximos, bem próximos de mim - pela constante presença no processo político. Devia esse gesto aos brasileiros.

Escrevi sem qualquer sentimento de mágoa, com intenção de falar ao coração do povo, assegurando-Ihe a convicção - ingênua, hoje reconheço - de que logo emergiria a verdade e todos os equívocos seriam desfeitos. Subestimei, naquele momento, a ação dos que não pretendiam provar coisa alguma, mas apenas tomar o poder, numa conspirata sem voto ou vergonha, afastando quem se colocara contra os seus interesses.

Com clareza e perseguindo um tom elegante, propriedades tão escassas naqueles dias, procurei assegurar na mensagem que, em nenhum momento, deslustrei a dignidade das funções que exercera, nem me afastei, milímetro sequer, da missão de transformar o País no exemplo de esforço para a conquista da modernidade com compromisso social, a que me propunha desde o início de tudo.

Considerei útil recordar, no texto, que foram por mim determinadas as averiguações, em todas as instâncias subordinadas ao Presidente da República, que resultaram na aceitação do pedido de impeachment, a começar pelo ofício que encaminhei ao Ministério Público, chefiado pelo procurador Aristides Junqueira, que havia sido por mim reconduzido ao posto. Com esta nomeação, quis dar uma demonstração de que nada tinha a temer, porque o chefe do Ministério Público, por suas ações, já havia deixado bem claro a sua má vontade em relação ao governo.

De posse do ofício através do qual eu determinava rigorosas investigações, o procurador geral cometeu inúmeras violências, talvez do tamanho e da intensidade cometidas por ele quando colaborava com a tortura de presos políticos durante o regime militar.


Pouca gente sabe que Aristides Junqueira foi listado entre os torturadores dos tempos da ditadura, nas páginas 192 e 193 do livro Brasil: Nunca Mais, prefaciado pelo arcebispo de São Paulo (Dom Evaristo Arns), que denuncia: "A aceitação, como elemento de prova, de depoimentos colhidos em delegacias ou ambiente militar [observação: pela tortura], que colidia com a tradição jurídica brasileira, foi avalizada na época por um ativo procurador da Justiça Militar, chamado Aristides Junqueira, atual procurador-geral do Republica". Ali evidencia-se um viés desconhecido do caráter do sestroso procurador Cuja aparência soturna e reservada escondia, no fundo, a alma mutilada pela angústia e a consciência pesada pelo suplício que infligiu às suas vitímas. Suas ações contra mim pareciam querer apagar da lembrança coletiva o sangue derramado e a dor infinita gerada pela sua atitude no seio da família brasileira.

Certamente, do costume que carregou consigo desde aquela época, resultou a tentativa de incriminar-me, movido muito mais pelo seu desejo insaciável de apagar seu triste passado do que pelo eventual apego à verdade e à Justiça.

O Golpe


Antes de sinalizar para que a porta de acesso ao salão ao lado fosse finalmente aberta, chequei o último detalhe:

- Major, o senador já chegou ? - perguntei ao eficiente Chefe da Ajudância de Ordens ( Fernando Azevedo e Silva ) , que se fez amigo. Referia-me ao primeiro secretário do Senado Federal (Dirceu Carneiro) que chefiava a comissão de senadores designada para entregar-me o comunicado oficial da abertura do processo de impeachment.

- Está no corredor, Senhor Presidente, à espera de ser chamado para a solenidade. "Solenidade". De fato a expresão era adequada. Quis que fosse assim, um momento solene. Reafirmação de civilidade. Recusei assinar em particular o "recibo" da citação, como sugeriu o secretário-geral da Presidência da República.

- A Nação tem o direito e até o dever de testemunhar esse ato de força, Marcos.

Os brasileiros teriam a oportunidade de presenciar a culminância de um golpe parlamentar inédito na nossa História. Esse testemunho certamente seria valioso na compreensão futura do episódio. Foram necessários dias de intensa negociação, entre a votação de 29 de setembro e aquele 2 de outubro, véspera das eleições municipais de 1992, para que eu pudesse convencer a todos -especialmente os meus- da necessidade de realizar uma transição adu1ta. O Brasil merecia. Embora vítima de um movimento golpista, quem chega à Presidência da República pela força do voto, não tem o direito de sair do Palácio senão pela porta da frente, com a cabeça erguida, e era exatamente isso o que eu pretendia fazer.

O Clima de tristeza

Jamais repetiria o gesto de outros presidentes inconformados com o destino, deixando o Palácio do Planalto pelas portas dos fundos. 0 último presidente militar por exemplo, o general João Figueiredo, para não assistir ao júbilo do próprio sucessor ( José Sarney), por quem não tinha o menor respeito, cometeu o equívoco de abandonar o Palácio pelos fundos. Senti-me obrigado a concordar que, no exercício do poder, Figueiredo aprendera a avaliar bem as pessoas. 0 " traidor oportunista ", que tanto indignara Figueiredo, cinco anos, uma abafada CPI da Corrupção, dezenas de escândalos e quase 100% de inflação mensal depois, temia sofrer constrangimentos ao sair do Planalto. Devia ter lá suas razões, mas em nome da concórdia optei por visitar o último presidente sem voto da República, para ajudá-lo a sair de um pesadelo que o atormentava havia meses. Autorizei providências para uma visita minha ao Pericumã, onde se refugiara para o carnaval daquele ano. Deixamos o "Bolo de Noiva"- prédio que ocupamos entre janeiro e março de 1990, anexo ao Ministério das Relações Exteriores - no domingo, em helicóptero da FAB.

A visita foi cordial e oproveitei a oportunidade para solicitar- Ihe a nomeação do presidente do Banco Central no meu governo e decretar feriado bancário necessário à adoção do nosso plano econômico - no que fui prontamente atendido.

O cuidadoso chefe do cerimonial (Embaixador Osmar Chohfi), à minha frente, abriu a porta que separava o gabinete do salão ao lado e anunciou:

- 0 Senhor Presidente da República.

0 ambiente, ali, estava carregado, denso, consternado, com a presença de alguns poucos amigos, entre os quais o senador Ney Maranhão, sempre presente nos momentos mais difíceis, o senador Odacir Soares, nem todos os ministros ( Estiveram ausentes ao último ato os ministros Reinhold Stephanes, Antonio Cabrera, Pratini de Morais, Adib Jatene e Affonso Camargo ), outros parlamentares, funcionários dos quais me despedi antecipadamente e jornalistas, que saboreavam o momento grave. Tudo parecia organizado segundo as minhas determinações. Orientara ao Secretário de Imprensa a tomar providências para permitir o acesso dos jornalistas e a transmissão direta pelas emissoras de rádio e televisão. Decidi que a contra-fé solene à citação do Senado Federal deveria ser realizada no salão contíguo ao gabinete presidencial, antes utilizado para reuniões ministeriais e depois restrito a atos solenes, depois da construção do conhecido "salão oval", no segundo andar do Palácio. Com isso, pretendi registrar para a História que o Presidente da República acatava com serenidade a decisão do Parlamento e que, civilizadamente, recusou todas as tentações para evitar aquele ato ou mesmo, antes, de fechar o Congresso Nacional, como queriam alguns e como fizera um país vizinho com surpreendente apoio popular.

Alegavam os defensores desse ato de força que o Congresso era um enorme balcão de negócios e que o povo apoiaria qualquer iniciativa nesse sentido. "A Câmara dos Deputados é presidida por um corrupto, é preciso denunciar isso ao País", exemplificavam.

Um ano depois, receberia a visita do cineasta Luiz Carlos Barreto. Depois de conversarmos longamente sobre as circunstâncias de minha saída do governo, o premiado produtor de O Quatrilho, bem humorado, exclamou:

- 0 que este País precisa é de um ditador!

Inicialmente não entendi aquela posição de alguém a quem sempre considerei um combatente da Democracia. Mostrei o meu espanto e logo ele se apressou em corrigir:

- Mas eu sou um democrata!
- Então o que quis dizer com "ditador"?
- Um ditador eleito pelo voto popular. Alguém que fizesse a sua campanha avisando na televisão: Se eleito Presidente da República, vou fechar o Congresso.

Diante da minha perplexidade, Luis Carlos Barreto, sempre divertido, concluiu:

- Se o senhor fizesse uma campanha assim, seria eleito com uma votação extraordinária !

Sempre reagi à idéia com severidade. Aos mais impacientes lembrei que a banda podre do Congresso seria desmascarada mais cedo ou mais tarde. De fato, não demoraria muito. 0 escândalo do 0rçamento, que logo se seguiu, revelaria alguns dos "anões " que efetivamente saquearam a Nação e, entre os acusados, encontravam-se os mesmos "virtuosos" que me ofendiam em público, pediam benesses em particular e, frustrados, atacavam o governo. Autoproclamado o "muso do impeachment ", responsável fundamental pela votação viciada que resultou com a minha renúncia à Presidência da República e pela violência cometida contra a Constituição, o presidente da Câmara dos Deputados (Ibsen Pinheiro) estava entre os corruptos mais notáveis, pilhados pela CPI do 0rçamento. Suas contas bancárias confirmariam as denúncias que levaram à cassação do seu mandato.

Como uma Nação adulta, uma das mais desenvolvidas do mundo, o Brasil não merecia regressar aos tempos em que o voto valia menos que uma bala, por isso insisti numa transição segundo as regras do jogo democrático. Nesse sentido, designei uma comissão de transição sob a coordenação do Ministro da Justiça ( Célio Borja ), a mais antiga de todas as pastas. Alguns assessores e amigos, revoltados com aquela conspiração, consideravam que o meu gesto apenas facilitaria o trabalho dos traidores, que loteavam o futuro governo e compravam votos com os recursos públicos, para vencer a batalha. Fiz-Ihes ver que compartilhava aquele sentimento, mas o meu gesto era de zelo pela administração do país:

- 0 Brasil não é uma republiqueta. Quer uma transição decente.

A minha certeza era a de que o povo brasileiro compreenderia mais tarde que o meu governo caiu, porque não transigi nem permiti a negociação de votos no Congresso. Jamais tive qualquer sombra de dúvida do quanto contrariava as elites com atos de governo, e foram elas - e não o povo - os responsáveis maiores pela pantomima, cuja cena derradeira se desenrolava diante das câmeras de todo o mundo, naquela manhã de outubro.

Notei, curioso, o primeiro secretário do Senado Federal um tanto trêmulo. Parecia muito compenetrado no papel a que se prestava. 0 governo seguinte o gratificaria regiamente, aliás, como à maior parte dos senadores que me julgariam, com suspeita pressa e evidente falta de isenção, dali a exatos 89 dias ( a renúncia e o julgamento ocorreram a 29 de dezembro de 1992), embora o prazo fixado pela Constituição fosse de 180 dias.

0 vice-presidente (Itamar Franco), que retirei do ostracismo na política mineira, organizou um governo a que chamou cinicamente de " republica dos senadores" -recompensando com cargos e sinecuras exatamente aquele que me julgariam mais tarde.

Causou-me especial emoção a solidariedade que recebi do deputado Ulysses Guimarães, naquele período duro de expectativa. Dr. Ulysses me visitou e me privilegiou com conselhos muito utéis, para enfrentar os dissabores que já não eram poucos e que se agravariam dali em diante. Todo o tempo assegurou-me o seu apoio - e o daqueles que o seguiram - afirmando que votaria contra o impeachment.

Como demonstração de seu afeto, presenteou-me com um dos seus livros , no qual apôs solidária dedicatória. 0 seu comportamento mudaria quando se iniciaram as articulações para garantir a tomada do poder, através de um golpe de mão. Prometeram-lhe que o vice-presidente renunciaria logo após a minha condenação pelo Senado e, assim, ocorrendo a vacância do cargo, ele,Dr. Ulysses, finalmente cumpriria o sonho de exercer a Presidência da República eleito pelo Congresso, para cumprir o restante do meu mandato. Seu trágico desaparecimento jogou uma pá-de-cal na operação.

A sentença fora acertada fisiologicamente, enquanto a minha defesa era baseada em fatos concretos, argumentos jurídicos, provas que prevaleceriam no histórico julgamento do Supremo Tribunal Federal - que me absolveria em 1994, dois anos depois do impeachment. A decisão do Senado, "política", não poderia ser outra. Percebi isso quando já era demasiado tarde. Renunciei ao mandato, como última tentativa de impedir aquele grotesco espetáculo, mas ainda assim realizaram o "julgamento". 0 objetivo era consumar o golpe e afastar-me da vida pública como uma maneira de protegerem os seus escusos interesses, finalmente vitoriosos.

Suspenderam os meus direitos politicos por oito anos, exatamente como a ditadura militar procedia com aqueles cuja ação política temia. 0 governo que me substituiu e seus cúmplices mal escondiam o temor pelo meu retorno, que sabiam inevitável, e por isso - ilegalmente - "julgaram-me". Não poderiam fazê-lo, porque apresentei a renúncia antes de a sessão ser iniciada. A Constituição autoriza o Senado a proceder o julgamento de Presidente da República e, com a renúncia, eu já não ocupava o cargo e o substituto já estava empossado. Adotou-se um rito previsto na lei 1079, de 1950, que regulamentava artigo da Constituição de 1946 e que evidentemente ja não vigoravam.

Cabeça erguida e peito aberto


Os bigodes de sopa do trêmulo senador ( Dirceu Carneiro), que lhe cobriam inteiramente a boca, mexeram de forma engraçada, evidenciando que balbuciava. Muito tenso, ele falou baixo, tão baixo que ninguém entendeu nada. A cerca de um metro de distância confesso que me esforçei um pouco, mas só consegui perceber os bigodes movimentados nervosamente. Considerei apropriado, nas circunstâncias, responder qualquer coisa.

-Certamente que sim - disse em tom educado.

No dia seguinte, os jornais atribuíram ao senador uma frase de efeito, que, a rigor, se a pronunciou não se fez entender. "Desejo que este ato seja uma contribuição da nossa geração para o aperfeiçoamento da democracia no Brasil", teria dito. Olhei para o relógio, certificando-me da hora exata. Sobre o documento que recebi do Senado, acrescentei a hora, a data e assinei: "Eu, Fernando Affonso Collor de Mello, recebi, nesta data, às 10h20m, a citação assinada pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal e pela Mesa do Senado Federal, instruída com documentos de fls. 1 a 927, que me foi apresentada pelo Senador Dirceu Carneiro, na qualidade de primeiro secretário, para responder pela prática de crimes de responsabilidade, conforme acusação admitida pela Câmara dos Deputados, anexa. Palácio do Planalto, 2/10/92".

Concluída a solenidade, pretendia deixar a sede do governo o quanto antes. Despedi-me de todos os presentes, um a um, num clima de grande emoção. Fomos levados ao andar térreo, na saída reservada às autoridades, de onde seguiríamos ao heliponto. Atendendo minha determinação, a polícia não reprimiu os manifestantes que invadiram a área lateral do saguão do Palácio e ficaram a poucos metros de nós. Deixamos o Palácio com as cabeças erguidas, caminhando normalmente.

Com a omissão - quase a discreta ajuda - do serviço de segurança, os vociferantes militantes ficaram próximos. Pude vê-los de muito perto. Carregavam a mesma expressão, rostos crispados de ódio sem razão e da ira dos "valentões" de tantas outras batalhas. Imaginavam que eu os temia. Durante o percurso, encarei-os fixamente. Se os de Niterói desmancharam o cordão e se acovardaram por trás de pedras e insultos, os de Brasília emudeciam quando se surpreendiam com o meu olhar direto, sem temor.

Em meio àquela multidão havia também os que me aplaudiam, como um cidadão humilde que me fitava emocionado. Interrompi a caminhada, fui até ele, cumprimentei-o com um forte aperto de mão, agradeci a sua coragem. Naquele precioso instante, só por um instante, fez-se silêncio. Próximos ao helicóptero encontramos os integrantes do Gabinete Militar da Presidência da República em serviço - sempre corretos e eficientes - em formação, prestando continência. Aquela demonstração de lealdade me emocionou especialmente.

Eu e Rosane ainda nos voltamos para um derradeiro aceno àqueles que estiveram conosco até o último momento. Lembro bem que esse grupo ( formado pelos senadores Áureo Mello, Ney Maranhão, Odacir Soares, os deputados Humberto Souto, Ivan Buriti, José Burnett, José Lourenço e Paulo Octávio; Álvaro Mendonça, Lafaiete Coutinho, Luiz Carlos Chavez e Luiz Estevão) levantou os braços, formando a letra V com os dedos, gesto que repeti tantas vezes. Como eu, eles ainda acreditavam no retorno depois de estabelecida a verdade. Já a bordo, observando a manifestação do alto, não sentia raiva ou frustração, mas sim um profundo desapontamento. Pedi para sobrevoar os Ciac em construção em Santa Maria e Samambaia, cidades satélites de gente boa e simples, próximas a Brasília, e o do Paranoá, onde inaugurei o programa de escola em tempo integral. Seria um vôo de menos de dez minutos.

O comandante recusou:

- Não temos combustível.

Percebi ali que o poder escapara mesmo de minhas mãos.

Fonte:http://www.collor.com/home.asp





Collor na Mídia

No Governo do ex-presidente Collor, vivenciamos uma fase excepcional de modernização da Economia e do próprio Estado brasileiro


O ex-Presidente e atual Senador, Fernando Collor de Mello, tem sido um dos mais destacados membros da atual Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE) do Senado Federal.


Com o Plano Collor, almejou-se tornar a economia mais eficiente, especialmente através das privatizações e da diminuição dos impostos sobre a importação. Tal plano findou por ser apontado como a maior iniciativa neoliberal já implementada no país, abrindo o país às importações, à privatização e à modernização industrial e tecnológica.

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5 Comentários
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  1. Boa tarde Presidente Collor. Quando do golpe que resultou no seu afastamento da Presidência da República, eu tinha 9 anos. Garimpo informações sobre esse processo que escancarada a imaturidade da nossa democracia, mas nem tudo é de confiança merecida. As mesmas elites que o depuseram junto da mídia seletista continuam atuando. Por isso, quando o senhor publicará as crônicas desse golpe de afastou um dos maiores presidentes da história da nossa República. Um grande abraço Presidente.

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  2. boa tarde senhor excelentíssimo senhor senador Collor gostaria de lhe dar os parabéns por ser um homem muito forte, e lutador vivi a época de 89/92 fui estudante e confesso vç foi o melhor presidente q o brasil teve,gostaria de adquirir o livro pois sinto saudades dos teus planos pro nosso brasil? estudei no ceaic ;hoje caic colégio de sua gestão era um sonho seu admiro tua postura como brasileiro quero ler teu livro e os meu sinceros votos de um feliz retorno como nosso futuro presidente tem meu voto.
    de Natanael Fornos

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