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O papel do médico patologista na epidemia de febre amarela



Os principais achados microscópicos da febre amarela no fígado são a extensa destruição dos hepatócitos (as principais células do órgão




Entendendo a Febre Amarela


A febre amarela é causada pelo vírus de mesmo nome, um vírus composto por RNA, que pertence ao gênero flavivirus (assim como o vírus da Dengue), transmitido ao homem através da picada de mosquitos Aedes aegypti (no ciclo urbano) ou Haemagogus (no ciclo silvestre). No ciclo silvestre, o vírus é transmitido entre primatas, através da picada do mosquito. O homem pode se infectar ao adentrar a mata onde ocorram casos entre primatas, adquirindo a febre amarela pela picada de mosquito infectado a partir de um macaco doente. No ciclo urbano, o mosquito infectado pelo vírus transmite-o entre humanos. O último surto registrado de febre amarela urbana no Brasil foi no início dos anos 1940, no Acre. Desde o início de janeiro de 2017, o Brasil vivencia um surto de febre amarela, que se iniciou no estado de Minas Gerais, além de afetar os estados do Espírito Santo e São Paulo, com casos suspeitos na Bahia e Tocantins. Até o momento, são mais de 110.000 casos suspeitos, com mais de 70 mortes atribuídas à febre amarela, a maioria em Minas Gerais, onde foi decretado estado de situação de emergência em saúde pública. O quadro clínico da febre amarela é bastante variado: desde sintomas característicos de uma virose sistêmica aguda e auto-limitada (febre, calafrios, dor de cabeça severa, dores musculares nas costas e nos membros, dor abdominal, náuseas e vômitos, fadiga intensa) a uma forma grave da doença. A principal complicação da febre amarela é a hepatite grave (figura 1), fulminante, que pode causar icterícia (quando a pele e as mucosas se tornam amarelo-esverdeadas), edema cerebral, disfunção renal, alterações na coagulação sanguínea, com sangramentos em diversos órgãos, choque e disfunção de múltiplos órgãos, levando o indivíduo infectado ao óbito. O diagnóstico definitivo da febre amarela é feito através da história epidemiológica do paciente e de exames laboratoriais como sorologia e biologia molecular (como a técnica de PCR, que identifica o material genético do vírus no sangue e nos tecidos dos doentes). Até o momento, a febre amarela não tem tratamento específico. Os casos que apresentam sintomas discretos devem repousar e receber líquidos para hidratação e sintomáticos como antitérmicos e analgésicos (evitar aspirina e anti-inflamatórios que podem precipitar hemorragias). Casos graves devem ser tratados em ambiente hospitalar, podendo necessitar de cuidados de terapia intensiva, tais como ventilação mecânica (por aparelhos), hemodiálise (para suprir a função renal), reposição de fatores de coagulação e plaquetas (para evitar sangramentos) e prevenção do edema cerebral. A prevenção da febre amarela é feita através de medidas que evitem a picada do mosquito (uso de roupas que cubram o corpo, repelentes aplicados no ambiente e na pele exposta, ambiente com ar-condicionado, mosquiteiros). 

Os indivíduos com febre amarela devem permanecer em repouso em casa, em leito com mosquiteiro, por até 5-7 dias após início da febre, para evitar a transmissão do vírus ao mosquito e, assim, manter o ciclo de transmissão. A vacina para o vírus da febre amarela é muito eficaz na prevenção de casos, feita com vírus vivo atenuado e está indicada a partir dos 9 meses de idade. As reações vacinais mais comuns são: febre baixa, mialgias e cefaleia. Reações mais graves são raras e incluem alergias e doenças neurológicas. A vacina está contra-indicada naqueles com alergia aos componentes da vacina, idade menor que 6 meses e imunocomprometidos (como pacientes com AIDS, baixa contagem de linfócitos T CD4+, transplantados, neoplasias avançadas, uso de imunossupressores e imunodeficiências primárias).



E qual o papel do médico patologista na epidemia de febre amarela?


O papel do patologista recai no diagnóstico definitivo da infecção e nos casos graves, que vão à óbito. A confirmação do óbito de febre amarela é feita através da autópsia, onde o patologista coleta amostras de tecido para estudo histopatológico e para a detecção do vírus através da cultura viral e de técnicas de biologia molecular. Com o diagnóstico firmado, o resultado da autópsia será de extrema importância para a saúde pública, para localizar as áreas de transmissão da febre amarela e tomar as medidas necessárias para a sua prevenção (como a vacinação da população, por exemplo), além de estudar a fisopatogenia da doença. A autópsia é um procedimento médico de grande importância, quando há óbitos por causa desconhecida, incluindo aqueles por doenças infecciosas por agentes desconhecidos ou no início de um surto de doença infecciosa. 




Figura 1: Fotomicrografia de fígado normal (imagem da esquerda) e de paciente com febre amarela fatal (à direita).

 Os principais achados microscópicos da febre amarela no fígado são a extensa destruição dos hepatócitos (as principais células do órgão – seta azul) e uma reação inflamatória portal (seta verde). Em comparação com a imagem da esquerda, pode-se observar a completa desorganização do tecido hepático.



Dr. Amaro Nunes Duarte Neto
Médico infectologista e patologista
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo 

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