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Mudanças no meio ambiente e a Febre Amarela Silvestre

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    Mudanças no meio ambiente e a Febre Amarela Silvestre


As regiões do Sudeste nas quais ocorrem o atual surto de febre amarela são áreas de Mata Atlântica ou de transição Mata Atlântica-Cerrado.

Foto mosquito: Fiocruz / Foto Bugio: Maria Lúcia Cardoso
Foto mosquito: Fiocruz / Foto Bugio: Maria Lúcia Cardoso


Após a entrada do vírus da Febre Amarela no Brasil nos anos 1600, a transmissão entre mosquitos e primatas se dispersou pelo País e a doença se estabeleceu de forma endêmica na Amazônia. Nesta região, em razão da alta cobertura vacinal, se observa casos isolados em indivíduos residentes ou visitantes não vacinados. Na região extra-Amazônica a febre amarela se apresenta em surtos precedidos de epizootias, em ciclos irregulares, e se dispersou nas regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul do País. O recente evento epidêmico da doença teve como ponto de dispersão as regiões de Goiás e Tocantins, com registros a partir de julho de 2014, seguindo nos sentidos sul e sudeste do país, quando afetou as áreas de fragmentos florestais e matas de galerias do centro-oeste de Minas Gerais, com registros oficiais de epizootias a partir de outubro de 2016. Os registros foram progressivamente e, em curto período de tempo, acrescidos de novos casos atingindo em ordem cronológica: Minas Gerais, Espírito Santo, São Paulo e Rio de Janeiro. Estes estados tiveram a maior representatividade (99% dos casos confirmados – Informe COES – Febre Amarela n° 43/2017) no recente evento epidêmico, que alcançou o status de maior surto de febre amarela nas últimas décadas. A emergência de doenças oriundas de animais silvestres está fortemente associada às alterações ambientais, incluindo mudanças climáticas, impactos naturais e antropogênicos (Estrada-Peña et al, 2014). As alterações ambientais que promovem a fragmentação e o isolamento dos ecossistemas naturais são as principais causas da perda da biodiversidade, pois resultam na perda de habitats e na simplificação/ redução da diversidade biológica dos ecossistemas. 
Haemagogus, Sabethes e Aedes aegypti: semelhanças e diferenças
Haemagogus, Sabethes e Aedes aegypti: semelhanças e diferenças 



Estudos recentes mostraram o efeito de diluição da biodiversidade na modulação, dispersão e dinâmica de transmissão de patógenos especialmente nas doenças transmitidas por artrópodes (Keesing et al., 2006; Xavier et al., 2012; Poulin & Forbers, 2012, Stephens et al., 2016). A transmissão da Febre Amarela Silvestre (FAS) é complexa, pois envolve centenas de espécies de hospedeiros e mosquitos vetores. Dentre as condições ambientais relacionadas e que podem ter favorecido a rápida transmissão no sentido Sul e Sudeste do país, algumas hipóteses podem ser aventadas, dentre elas a fragmentação de habitats naturais, promovida principalmente pela ação antrópica; as mudanças climáticas regionais, favorecendo o aumento populacional de vetores; mudanças genéticas no vírus, alterando o papel de espécies hospedeiras e vetores na transmissão; alterações populacionais de primatas e, possivelmente, de outras espécies nas áreas afetadas; dentre outras hipóteses. As regiões do Sudeste nas quais ocorrem o atual surto de febre amarela são áreas de Mata Atlântica ou de transição Mata Atlântica-Cerrado. Historicamente estas fitofisionomias passaram por intenso processo de degradação da vegetação, mas se mantém em pequenas e médias porções de fragmentos florestais (Fundação SOS Mata Atlântica, 2015). Apesar do período de reversão na tendência de queda do desmatamento nos últimos anos, no período de 2015-2016 o desmatamento, de acordo com os estudos da SOS Mata Atlântica (2017), cresceu 60% em um ano. Isso significa a perda de 29.075 ha de mata nos dezessete estados do bioma – o que representa aumento de 57,7% em relação ao período anterior (2014-2015). Os índices de 2015-2016 são comparáveis ao período de 2005 a 2008, último período epidêmico da febre amarela (2007-2009). Neste estudo, os quatro estados do Sudeste com surto de febre amarela totalizaram 8.475 ha de desmatamento, 29% do desflorestamento total da Mata Atlântica no período, incrementado pela produção agropecuária, produção de carvão e conversão das áreas florestadas em áreas de monoculturas de eucalipto. O desmatamento gera impactos negativos para os primatas (dos gêneros Callithrix, Alouatta, Cebus, Ateles, Aotus, Saimiri, Sapajus) que sobrevivem nessas pequenas porções florestais, como por exemplo: a concentração de indivíduos, o que favorece a transmissão do vírus pelos vetores; a competição intra e interespecífica e o estresse promovido pela limitação de alimentos, espaço, entre outros recursos vitais, que atrelados podem promover a alteração da imunidade individual, tornando-os suscetíveis às infecções; a dispersão para outras áreas em busca de melhores condições, o que pode aumentar o estresse e a dispersão viral. As alterações no regime de chuvas e temperaturas, provocadas pelas mudanças climáticas regionais, interferem diretamente na vida silvestre. No ciclo de transmissão da febre amarela, chuvas isoladas e temperaturas elevadas favorecem a reprodução e disseminação dos principais gêneros de mosquitos transmissores da Febre Amarela Silvestre, Haemagogus e Sabethes, que habitam áreas de mata fechada ou as bordas das matas e depositam seus ovos em cavidades de troncos de árvores e em bromélias, que acumulam água das chuvas. A temperatura elevada favorece a replicação viral nos vetores, o que contribui para altas taxas de carga viral tanto nos mosquitos quanto nos primatas, tornando-os amplificadores (Almeida et al, 2016). Nos ambientes naturais ainda se faz necessário a identificação do papel de cada espécie de primata na manutenção do vírus na natureza, bem como de outras espécies como preguiças, morcegos, marsupiais e eventualmente ainda outros mamíferos

Além do desmatamento e das mudanças climáticas, outros fatores podem estar relacionados à dinâmica do surto recente de Febre Amarela Silvestre. Estudos recentes mostram a emergência de novas alterações genéticas no vírus, além da transmissão transovariana do vírus (Bonaldo et al, 2017; Almeida et al, 2016; De Souza et al, 2010). Deve-se considerar também a necessidade de estudos aprofundados do impacto da introdução de espécies exóticas invasoras, como é o caso do Callithrix jacchus, que por sua capacidade de dispersão e colonização de ambientes antropizados podem ampliar a velocidade e área de circulação do vírus. Em síntese, observa-se que nas regiões onde o surto iniciou as condições ambientais ofereceram extensas áreas com fragmentos florestais irregulares, menores que 5 ha e próximos entre si, elevação das temperaturas médias observadas em 2016, com incremento de 0.6 a 1.5°C (INMET, 2017), anormalidade no período seco, seguido de chuvas isoladas no fim de 2016 e início de 2017, populações de primatas e mosquitos habitantes dos fragmentos e proximidade de populações humanas e suas atividades. Apesar das evidências da convergência destes fatores para a inauguração do atual evento epidemiológico, muitas lacunas e perguntas ainda faltam ser respondidas para a compreensão da rapidez e da extensão alcançada pelos casos de Febre Amarela Silvestre no sudeste do País. Dentre elas, vale o aprofundamento na investigação da evolução filogenética do vírus; no papel das espécies hospedeiras na manutenção e amplificação viral e sua dinâmica de dispersão entre os fragmentos florestais; a compreensão do efeito da fragmentação florestal e das mudanças climáticas nos habitats das espécies integrantes ao ciclo da febre amarela; a construção de modelos de previsão sobre a dinâmica de distribuição geográfica da febre amarela e outras arboviroses, A partir dessas pesquisas será possível identificar/confirmar as condições ambientais favoráveis à infecção, prever os caminhos de disseminação da doença, apoiar as tomadas de decisão políticas e direcionar os esforços de vigilância e imunização das populações humanas nas regiões mais vulneráveis.

Artigo original :Febre amarela silvestre no contexto das mudanças ambientais 

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