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Pontos vitais e estratégicos que devem ser priorizados para evitar a reurbanização da Febre Amarela

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Em 2002 o médico Pedro Fernando da Costa Vasconcelos no artigo publicado na Revista brasileira de epidemiologia.,vol.5 no.3, já alertava e tecia considerações sobre o que estamos vivendo com o risco iminente da reurbanização da Febre Amarela no Brasil, além de sugerir pontos estratégicos que deveriam ter sido seguidos em todos os níveis ou esferas de governo para evitar, conforme ele a época " o fantasma que tanto apavora a todos que conhecem a fúria histórica da doença". Pelo visto, muitos não fizeram a leitura do texto! 

Em 2002 ele ainda escreveu mostrando sua  preocupação e antevisão dos dias atuais  : "A situação do Brasil é no mínimo preocupante, pois ainda que na última década o número anual de casos notificados raramente tenha excedido a 40 notificações, o que ocorreu nos anos de 1984 =21, 1993=2, 1998-99 =6 e 2000=7, a letalidade é elevada e a tendência nos últimos três anos tem sido de aumento do número de ocorrências (Figura 2). Uma pergunta que intriga é qual a verdadeira área epizoótica ou epidêmica da febre amarela?"

número de ocorrências (Figura 2)- letalidade






O Médico fez uma excelente revisão intitulada : Febre amarela: reflexões sobre a doença, as perspectivas para o século XXI e o risco da reurbanização "bem como as suas causas e as conseqüências de eventual reurbanização da doença no país, risco que cresce a cada ano à medida que crescem os índices de infestação de Aedes aegypti "






Pedro Fernando da Costa Vasconcelos

Risco de urbanização


A questão da reurbanização é complexa, muito discutida, pouco estudada cientificamente, e tudo o que se fala não tem respaldo técnico por absoluta falta de estudos, principalmente acerca da verdadeira susceptibilidade do mosquito Ae. aegypti ao vírus da febre amarela, de qual o título virêmico capaz de infectar os mosquito, bem como da capacidade do Ae. albopictus em se infectar com o vírus da febre amarela e de servir como vetor de ligação entre o ciclo silvestre e o meio urbano. Também não sabemos quantos pacientes são necessários para infectar uma população representativa do transmissor urbano que seja em número suficiente para iniciar e manter uma transmissão autóctone, e quais os fatores associados com a dispersão viral em áreas urbanas. Todos esses aspectos merecem estudo, e pouco ou nada foi feito neste sentido. Portanto, tudo o que se falar ou escrever sobre o assunto é baseado em opiniões pessoais e não com base em estudos cientificamente desenvolvidos.

Desde os anos 80, e com maior evidência nos anos 90, tem-se verificado um incremento do número de casos, tanto na África (onde o problema é mais grave, com milhares de casos anualmente reportados e inclusive com epidemias urbanas) como na América, onde dezenas e freqüentemente centenas de casos são reportados a cada ano4,8,10,33. No nosso continente, cerca de 80% dos casos notificados nas décadas de 80-90 ocorreram no Peru e na Bolívia. O Brasil é o terceiro país, com cerca de 16% dos casos (Figura 1). 

No período de 1970-1999 foram notificados para a Organização Panamericana de Saúde na América do Sul 4.270 (Figura 1) casos de febre amarela, todos da forma silvestre


Todos os anos têm sido diagnosticados casos da doença. Nos anos 70, o estado que mais reportou casos foi Goiás. Nos anos 80, Pará e Mato Grosso do Sul lideraram as estatísticas. Nos Anos 90, novamente o Pará e o Maranhão foram os mais acometidos. Só existe transmissão da forma silvestre. Cerca de 90% dos casos são associados a transmissão pelo Hg. janthinomys. Mais de 80% ocorreram em adolescentes e adultos jovens do sexo masculino (portanto em plena idade produtiva) e a letalidade tem variado enormemente (média de 40%), o que se acredita dever-se a falha no diagnóstico das formas leves (não havia no passado a preocupação em se diagnosticar as formas leves, embora se saiba que são importantes fontes de infecção para os mosquitos transmissores3,4,16; hoje isso está mudando, o que tem contribuído para diminuir a taxa de letalidade da doença). Até o início dos anos 80, apenas o IEC (no Pará) realizava o diagnóstico sistemático da doença; atualmente, temos laboratórios realizando o diagnóstico no Amapá, Amazonas, Acre, Bahia, Distrito Federal, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro, Roraima, São Paulo e Tocantins. Portanto, melhorou sensivelmente a capacidade laboratorial, o que agiliza a vigilância epidemiológica, que é estratégico perante o risco da reurbanização.

Por outro lado, o Ae. aegypti está distribuído em todos os estados do país (tanto dentro como fora das áreas endêmica e epizoótica). Nenhum estudo no território nacional foi feito (nem eu recomendo que seja feito no atual estado de disseminação do vetor urbano, se não forem garantidas as melhores condições de segurança) com o Ae. aegypti para se conhecer sua susceptibilidade, sensibilidade e capacidade de transmitir o virus da febre amarela. Resumindo, não se sabe a real capacidade vetorial da população de Ae. aegypti que hoje circula no Brasil. Não sabemos inclusive se temos apenas uma ou várias populações do Ae. aegypti. Se são muitas, existe diferença na susceptibilidade ao vírus e na capacidade vetorial? Caso exista diferença, é urgente que se faça um mapeamento dessas populações, objetivando conhecer as áreas mais vulneráveis.

A cobertura vacinal anti-amarílica varia de acordo com a área, sendo boa na endêmica (entre 80-95%) e péssima na área indene da doença. É possível que existam áreas (principalmente nos estados do sul) onde no máximo 20% da população tenham proteção contra febre amarela, adquirida por vacinação. Em números teríamos cerca de 4 a 8 milhões de pessoas não vacinadas na área endêmica, principalmente nas capitais e em áreas de difícil acesso, e algo como 70 a 100 milhões na área indene! Com estes números, há algumas medidas que são importantes e que devem ser adotadas (algumas já foram sistematizadas pelo Ministério da Saúde):


Tentar vacinar o máximo de pessoas nas capitais da área endêmica;


Vacinar todas as pessoas que se desloquem para as áreas de risco;


Melhorar a vigilância epidemiológica, adotando a vigilância sindrômica (ou seja, realizar exames nos quadros infecciosos agudos que cursem com febre, hemorragia, icterícia e insuficiência renal). Isto aumenta a sensibilidade do sistema de vigilância;


Continuar a descentralização do diagnóstico para agilizar as ações de prevenção e controle;


Diminuir os índices de infestação do Ae. aegypti nos grandes núcleos urbanos de todo o país. Esta ação é estratégica e talvez a mais importante, pois se implementada permitiria diminuir os riscos da reurbanização e ao mesmo tempo impedir ou reduzir a ocorrência de dengue e os riscos de dengue hemorrágico;


Na suspeita clínica e/ou epidemiológica de caso(s) em áreas urbanas, deve-se atuar simultaneamente na colheita de amostras de contatos e familiares e também de outros casos suspeitos, e simultaneamente vacinar toda a população exposta como forma de impedir, bloquear ou abortar a transmissão urbana;


Encomendar estudos para estabelecer a capacidade vetorial da(s) população(ões) circulante(s) de Ae. aegypti e de Ae. Albopictus; e


Treinar e reciclar clínicos no reconhecimento da doença, o que elevará o índice de suspeita da febre amarela e, conseqüentemente, dos casos diagnosticados.

Estes são pontos vitais, estratégicos que devem ser priorizados em todos os níveis ou esferas de governo, e, se forem viabilizados, não resta dúvida que a reurbanização da febre amarela deixará de ser o fantasma que tanto apavora a todos que conhecem a fúria histórica da doença. Que o risco existe seria leviano negar, e que continuaremos a ter casos da forma silvestre anualmente diagnosticados não temos dúvida, pois existe a necessidade de adentrar as matas para explorar os recursos naturais, o que leva ao contato com vetores silvestres infectados, mas a ingenuidade e a ignorância das pessoas atuam favoravelmente ao vírus. Portanto, temos que melhorar a vigilância principalmente nos municípios e estados, ou seja, é preciso estar sempre alerta, suspeitando da doença, educar e reciclar melhor o pessoal de saúde, vacinar mais as populações suscetíveis nas áreas de risco e aquelas que para lá se dirigem (turistas, migrantes, etc.) e estudar melhor as epidemias. Assim, iremos aumentar os conhecimentos acerca da história natural da doença.


Fonte:  



Pedro Fernando da Costa Vasconcelos

Médico Virologista, Pós-doutorado em Biologia Molecular, Centro Colaborador da Organização Mundial de Saúde para Arbovírus, Instituto Evandro Chagas, Fundação Nacional de Saúde (FUNASA), Ministério da Saúde. Av. Almirante Barroso, 492; 66090-000, Belém, PA, Brasil; pevascon@utmb.edu


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