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Metáfora, Dengue, Alagoas

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O ovo da serpente é uma excelente metáfora para entender a situação do Dengue em Alagoas.

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Aedes

"O dengue veio mostrar as nossas fraquezas e proporcionar condições para darmos um salto de qualidade nas nossas vidas. Seremos capazes? Eis o desafio." Celso Tavares




O ninho foi cuidadosamente preparado no decorrer de cinco séculos, às custas do crônico desrespeito à coisa pública, o que tem a ver com a reintrodução do Aedes aegypti no Brasil em 1976. O ovo foi posto em 1986, com a introdução do vírus dengue 1 em Maceió. A partir de então, foi fácil acompanhar o evolver do monstro que criávamos. As introduções dos vírus 2 e 3, respectivamente em 1991 e 2002 (2001 no RJ), ofereceram-lhe todas as condições para que ele adquirisse condições para matar nossos familiares, amigos, vizinhos e concidadãos.

Em 2003, finalmente, a serpente eclodiu: a doença que, no máximo, determinava um sério desconforto, passou a determinar manifestações clínicas que justificavam internações nos Setores de Emergência dos nossos hospitais.

O dengue caracteriza-se por determinar, dia após dia, demandas sempre crescentes e mais complexas. Assim, inexoravelmente, surgiram os casos que exigiam internação em UTI (lembro-me da adulta jovem, de 30 anos, saudável, bonita, que permaneceu internada por 41 dias num dos nossos hospitais e cuja evolução médica, em todos os plantões, iniciava-se assim: "Gravíssima. Evolui com... "). Daí para as mortes foi um pequeno passo.

Desde então, a situação agravou-se, mas nós não assumimos as nossas responsabilidades e, como péssimos jogadores de pôquer, pagamos para ver, mesmo advertidos que a serpente crescia e estava à solta, maltratando e matando.

A atual situação do RJ e de SE não deveriam interferir nas nossas condutas, mas nós continuamos a nos equivocar. Salvo melhor juízo, pensa-se que a ocorrência das formas graves difunde-se, por exemplo, como as epidemias de cólera e doença meningocócica e haja discussões inócuas!

Meus caros, o 'mal' está entre nós há 22 anos, nunca se foi e há cinco começou a demonstrar as nossas fraquezas, a nossa incapacidade de fazer frente eficazmente às ameaças ao nosso bem estar.

Em Alagoas temos uma transmissão hiperendêmica do dengue, o que, em última instância, determina um aumento da probabilidade de ocorrência de formas graves e, consequentemente, de mortes (A análise dos macro e micro-determinantes da infecção não nos deixa ter paz, pois temos tudo o que favorece a ampliação e manutenção da doença entre nós).

Receio pelo o que acontecerá nos próximos meses. Desde 1998 intensificamos as atividades de combate à arbovirose e esse trabalho certamente evitou um número razoável de mortes. Falhamos quando não conseguimos envolver a Sociedade e o Estado nessa luta, pois foi e é uma estupidez acreditar que a Secretaria de Saúde sozinha poderia fazer frente a esse agravo endemo-epidêmico. O comprometimento das entidades civis e dos órgãos públicos que compunham o Comitê de Combate ao Dengue era somente retórico e todos aguardavam por um D. Sebastião que nos livrasse do flagelo. Creio, porém, que D. Sebastião tem diversos pseudônimos: cidadania, responsabilidade, direito, dever, amor, piedade, caridade, respeito...

O D. Sebastião somos todos nós, cidadãos comuns e autoridades do Executivo, Judiciário, Legislativo e Ministério Público, bem como a Imprensa, que têm o poder de alterar as condições que favorecem a sobrevivência da serpente.

Em 2008, após muitos sofrimentos e mortes, melhoramos, mas não o suficiente. Na luta contra o dengue todos os esforços serão sempre insuficientes, o que exige que o problema seja tratado como uma Questão de Estado, até por que, por acréscimo, tais esforços redundariam no controle de muitos outros agravos.

Na verdade, o dengue deveria ser usado para desencadearmos uma verdadeira revolução, garantindo serviços de qualidade ao nosso povo. Um pequeno exemplo: evitar que um médico atenda a 140 pacientes num plantão, um pecado social, um atentado à saúde do profissional e dos pacientes que o procuram. No atendimento a um caso suspeito de dengue, o médico necessita de um local decente de trabalho, equipamentos (quantos já viram um tensiômetro pediátrico?), segurança e TEMPO. A consulta é demorada, não pode ser um simulacro, um faz-de-conta para responder à exigência constitucional. O exemplo pode ser estendido à Educação.

Ofereçamo-lhes um "pacote Sarah Kubitscheck", garantido-lhes um salário decente e vida científica e intelectual (congressos, educação continuada etc), e teremos médicos residindo nos pequenos municípios e trabalhando com dedicação. Os que não respeitassem o contrato poderiam ser despedidos, pois tais vagas seriam motivo de cobiça.

Vamos investir nos profissionais de saúde e exigir do Poder Executivo que os gestores de todos os níveis tenham um perfil adequado. Não cabe mais a indicação de amadores ou de seres totalmente alheios ao bem comum (em Penedo, nos cursos primário e secundário falava-se muito sobre esse ente). Barros Barreto, um grande brasileiro, defendia que os secretários fossem Políticos ou Sanitaristas (chamo a atenção para as maiúsculas). Concordo com ele e lastimo a indicação de semi-alfabetizados e correligionários inaptos e ineptos para dirigir um PS, um hospital etc.

Os conhecimentos e tecnologias disponíveis, assim como a legislação existente, permitem assegurar que é possível controlar o dengue. Precisamos, somente (não sei se esse é o advérbio mais adequado) de coragem, responsabilidade, fibra e qualidades afins.

A redução dos índices de infestação predial do Aedes aegypti a níveis inferiores a 1% é factível, bastando que todos se empenhem e que assumam as suas responsabilidades. Se for necessário usar o Código Penal para evitar mais alagoanos morram, que o usemos. Não podemos continuar sendo "legais", "simpáticos", "boa gente" deixando que irresponsáveis continuem desrespeitando o nosso direito à vida plena, mantendo criadouros de mosquitos nos seus imóveis.

Devemos evitar que as pessoas morram e isso não é difícil. Basta por os Postos e Centros de Saúde para funcionar, assim como o Programa de Saúde da Família (PSF). DENGUE É DOENÇA DE ASSISTÊNCIA BÁSICA e em torno de 90 % dos casos podem ser resolvidos simples e rapidamente, com a prescrição de hidratação, repouso e sintomáticos. Se eles não funcionarem pode ocorrer o que observamos no RJ: filas e mais filas nos hospitais, onde se misturam pessoas com 2 horas de febre, desesperadas em busca de exames, e casos graves que não podem esperar 30 minutos ou uma, duas horas pelo atendimento, sob o risco de morte.

Ao hospital cabe atender pacientes que apresentem: a) os 4 SINAIS DE ALARME: 1) Queda brusca da temperatura, chegando à hipotermia (35 graus), com prostração extrema e às vezes, lipotímia ('desmaio'); 2) vômitos frequentes e abundantes; 3) dor abdominal severa e contínua e 4) sonolência e/ou agitação (Eles são premonitórios do choque e se não forem valorizados o paciente morrerá).

b) instabilidade hemodinâmica e CHOQUE.

O dengue causa meningite, encefalite, miocardite, hepatite, colite, paralisias, mas o importante é lembrar que se investirmos nos nossos Serviços de Saúde essas manifestações menos frequentes poderão ser diagnosticadas e devidamente tratadas.

O TRATAMENTO É SIMPLES E DE BAIXO CUSTO, resumindo-se a uma hidratação abundante (60 a 80 ml/kg/dia). No dengue clássico, líquidos caseiros e soro de reidratação oral e nos casos graves que exigem internação, soro fisiológico. O prognóstico depende do que fizermos nas primeiras 48 ou 72 horas de doença. Se o paciente for adequadamente tratado dificilmente ele apresentará maiores complicações.

Albumina? Usa-se raramente e mal utilizada favorece a morte do paciente.

Transfusão de plaquetas? É exceção, pois não contribui para a boa evolução do paciente. As indicações são poucas (sangramentos viscerais ativos, por exemplo). A ênfase concedida a esse procedimento é sinônimo de desconhecimento da fisiopatogenia da do dengue. Precisaremos do concurso do hematologista em algumas circunstâncias.

Para isso precisamos de unidades de saúde funcionando ADEQUADAMENTE, o que possibilitará um diagnóstico precoce e um tratamento correto e oportuno.

Exames? Os mais baratos. A maioria dos pacientes não os necessita. O essencial é o hemograma. Os outros tornam-se necessários quando não fazemos o diagnóstico no tempo devido.

Os sangramentos severos, na maioria das vezes, decorrem de diagnóstico tardio e de todos os problemas que essa situação acarreta. O paciente pode morrer sem apresentar quaisquer hemorragias.

Em Alagoas, por conta da TRANSMISSÃO HIPERENDÊMICA, devemos considerar a hipótese de dengue em todos os pacientes febris. Devemos nos lembrar de outras doenças que podem matar, a meningococcia e a leptospirose, por exemplo, o que só pode ser feito por um médico competente e que disponha de tempo para tal (os murros nas portas, as ameaças verbais e físicas impossibilitam que isso aconteça. Cria-se, então, outra demanda: a necessidade de policiais nos Serviços).

As crianças menores de 5 anos, especialmente as de 2 anos, são um desafio. Devemos valorizar quaisquer mudanças bruscas na vida dessas crianças, MESMO NA AUSÊNCIA DE FEBRE ("ficou molinha", "chorando muito"). Nosso povo pode atribuir "aos dentes" manifestações de um caso de dengue que evolui gravemente e o garoto será atendido tardiamente, já em condições críticas. Nesses casos, o PS e o PSF deve possuir condições de transferir o paciente em condições de segurança.

O dengue veio mostrar as nossas fraquezas e proporcionar condições para darmos um salto de qualidade nas nossas vidas. Seremos capazes? Eis o desafio.

Dr. Celso Tavares
Dr. Celso Tavares
Dr. Celso Tavares
Faculdade de Medicina/UFAL
Professor Adjunto IV da Faculdade de Medicina /UFAL
Assessor Técnico da SESAU
Mestre pela FSP/USP e Doutor pelo CPaAM/FIOCRUZ




A sabedoria com as coisas da vida não consiste, ao que me parece, em saber o que é preciso fazer, mas em saber o que é preciso fazer antes e o que fazer depois. (Léon Tolstoi)




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