-->

{ads}

Posicionamento dos Deptos. de Neurologia e Psiquiatria Infantil a respeito do TDAH - FCM/UNICAMP

Prezados Senhores,


Solicitamos a VSas., a divulgação do posicionamento da Disciplina de Neurologia Infantil do Departamento de Neurologia e do Setor de Psiquiatria da Infância e da Adolescência do Departamento de Psicologia Médica e Psiquiatria da FCM-Unicamp em relação a informações equivocadas veiculadas recentemente sobre o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e seu tratamento (documento em anexo).


Atenciosamente,

Profa. Dra. Eloisa Helena Rubello Valler Celeri
Chefe do Departamento de Psicologia Médica e Psiquiatria
FCM/UNICAMP
Solange A. B. Pereira
Departamento de Neurologia - FCM/UNICAMP
Fone: (019) 3521.7372
FAX: (019) 3521.7483





A Disciplina de Neurologia Infantil do Departamento de Neurologia e o Setor de Psiquiatria da Infância e da Adolescência do Departamento de Psicologia Médica e Psiquiatria da FCM-Unicamp vem a público se posicionar em relação a informações equivocadas veiculadas recentemente sobre o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e seu tratamento. 

Apesar da existência de ampla literatura científica documentando a validade diagnóstica e a efetividade do uso de medicação no tratamento do TDAH (Spetie et al., 2007), grande é a preocupação pública e entre profissionais no que diz respeito ao diagnóstico inapropriado e prescrição indevida de psicofármacos.

Este transtorno começou a ser identificado na primeira década do século XX e seu tratamento com derivados anfetamínicos tem sido utilizado desde os anos 1930 (Bradley, 1937). O TDAH é um dos transtornos mais estudados em medicina, sendo que os dados disponíveis confirmam a sua confiabilidade e a validade diagnóstica. A confiabilidade e validade deste construto nosológico é maior que muitas outras condições psiquiátricas e mesmo do que algumas condições físicas (Spencer et al., 2011).


Alguns fatores e dados contribuem para essas controvérsias (Spencer et al., 2011):

· Como ocorre com muitos transtornos psiquiátricos, os critérios diagnósticos para TDAH baseiam-se na história clínica e na avaliação mental e comportamental do paciente, não havendo marcadores biológicos, testes laboratoriais ou radiológicos que confirmem o diagnóstico;

· O TDAH é um transtorno de longa duração, necessitando quase sempre acompanhamento clínico contínuo;

· O tratamento com freqüência implica o uso de medicação; esta, como qualquer fármaco usado em medicina possui efeitos colaterais e riscos, inclusive certo risco de abuso.

Entretanto, pode-se afirmar com considerável consistência que:

— O TDAH é um transtorno relativamente freqüente com taxas de prevalência identificadas através de estudos epidemiológicos bem conduzidos. Tais estudos indicam prevalência significativa e semelhantes em praticamente todos os países investigados (Faraone, 2003; Polanczyk et al., 2007; Polanczyk et al., 2008). Não se trata de um transtorno exclusivo de crianças e adolescentes americanos, sendo amplamente identificado também na Europa (inclusive na França) e nos outros continentes (Knellwolf et al. 2008; Hodgkins, 2013);

— Associa-se a grandes prejuízos para a criança/adolescente e suas famílias, impactando negativamente de modo significativo as atividades acadêmicas e vocacionais, bem como trazendo efeitos negativos importantes para a qualidade de vida (da criança/adolescente e de sua família) e auto-estima da criança/adolescente (Taylor, et. al. 2008; Coghill, 2010);

— O TDAH não tratado implica em maior risco para o desenvolvimento de novos transtornos, incluindo transtornos graves de comportamento com agressividade e impulsividade na infância e comportamento delinqüente na adolescência, além de abuso e dependência de substâncias (tabaco, álcool, maconha, cocaína/crack e outras drogas) (Biederman et. al, 1999; Mannuzza et al. 2008);

— Há, além disso, constatável co-ocorrência de TDAH com outros transtornos mentais e comportamentais: transtornos disruptivos, transtornos do humor e de ansiedade, transtornos do aprendizado e dificuldades sociais e escolares importantes (Taylor, et. al., 2008; Copeland et al.,2009; Costello et. al., 2011);


— O projeto terapêutico e os tratamentos, de modo geral, devem ser multimodais, multiprofissionais e individualizados, incluindo: uso apropriado de medicação, orientação de pais e da escola e uma variedade de intervenções psicoterápicas, de acordo com as necessidades da criança/adolescente e da família (Sonuga-Barke et. al.,2013); 

— O tratamento medicamentoso, realizado com acompanhamento médico adequado é, de modo geral, seguro e extremamente eficaz, podendo melhorar significativamente, em 70-80% dos casos, a sintomatologia e a qualidade de vida da criança e de sua família (Spencer et. al., 2011; Coghill, 2010);

— O Metilfenidato, em suas várias apresentações, é uma das medicações mais amplamente estudadas e utilizadas para o tratamento do TDAH, sendo a sua segurança e eficácia confirmada por estudos metodologicamente rigorosos em populações de crianças e adolescentes (Grahan et al., 2011; Spencer et. al., 2011; Cooper et al., 2011; Martinez-Rag et al.,2013); 

— Os medicamento psicoestimulantes não apenas ajudam a criança com TDAH no sentido de reduzir a hiperatividade extrema e inadequada, assim como melhoram significativamente o processo atencional e funções executivas em suas várias dimensões. Tal melhora do processo atencional e de funções executivas repercute marcadamente no aprendizado da criança, nas suas atividades em sala de aula, bem como durante a prática esportiva, auxiliando a criança a movimentar-se de forma mais adequada e a focar sua atenção na tarefa a ser executada, isto é o jogo e as atividades interativas com outras crianças (Porrino et al. 1983). O tratamento adequado não é realizado para tornar a criança/adolescente “comportada”, “disciplinada” ou “submissa”; e sim, visando permitir que a criança se desenvolva o mais plenamente possível na escola e outros ambientes, nas dimensões cognitivas, afetivas e sociais.

Para concluir:

— Informações equivocadas veiculadas recentemente pela mídia prestam um desserviço às crianças, às mães e pais, às famílias e à saúde pública e, em certo sentido, ao próprio debate científico de alto nível;

— Há vinte anos, polêmica semelhante a que atualmente vivenciamos ocorreu nos EUA movida por grupos religiosos muito conservadores. Entretanto, os dados científicos resultantes de amplas pesquisas, além da experiência refletida ocorrida nos principais centros médicos universitários internacionais que atendem e acompanham tais crianças e adolescentes comprovaram a inconsistência de tais afirmações (Barkley, 2008);

— Há, certamente, em nosso meio, crianças equivocadamente diagnosticadas e tratadas como TDAH, assim como existe um número considerável de crianças que tem TDAH que não foram diagnosticadas corretamente (número esse que infelizmente ainda não foi quantificado em nosso meio) e que poderiam se beneficiar muito com o diagnóstico e tratamento adequados, com impacto positivo significativo em suas vidas. (Taylor, et. al., 2008, Coghill, 2010); 

— Enfatizamos, como médicos, profissionais de saúde e professores universitários, a necessidade de se valorizar a boa prática médica, cientificamente embasada e socialmente sensível, assim como a importância fundamental da formação de profissionais críticos e bem capacitados, aptos a diagnosticar e tratar adequadamente estas crianças/adolescentes e suas famílias! 

Disciplina de Neurologia Infantil FCM- UNICAMP

Setor de Psiquiatria da Infância e Adolescência FCM- UNICAMP

Campinas, setembro, 2013.

Bibliografia:

História do TDAH

Bradley, C. (1937). The behavior of children receiving benzadrine. Am. J Psychiatry, 94:577-585.

Spetie, L & Arnold, E.L. (2007) Attention – déficit/ hyperactivity disorder. In: Martin, A, Volkmar, F.R; (Ed.), M. Lewis’s child and adolescent psychiatry: a comprehensive textbook (4th ed.) Philadelphia, Lippincott Williams & Wilkins.

Barkley, R.A et al. (2008) Transtorno de Deficit de Atenção / Hiperatividade: Manual para diagnóstico e tratamento. 3a edição. Porto Alegre, Artmed. 

Epidemiologia

Faraone, S.V., Sergeant, J., Gilberg,C. & Biederman, J. (2003). The worldwide prevalence of ADHD: is it an American condition? Word Psychiatry, 190:402-09

Polanczyk G, Horta B, Lima M et al. (2007). The worldwide prevalence of attention-deficit hyperactivity disorder: a systematic re- view and meta-regression analysis. Am J Psychiatry, 164:942-8.

Polanczyk G, Rohde LA, Szobot C et al. (2008). Treatment of ADHD in Latin America and the Caribbean. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry, 47:721-2.

Knellwolf AL, Deligne J, Chiarotti F et al. (2008) Prevalence and patterns of methylphenidate use in French children and adolescents. Eur J Clin Pharmacol, 64:311-7.

Hodgkins, P. et al. (2013) Management of ADHD in children across Europe: patient, demographics, physician characteristics and patterns. CNS Drugs, 27 (1) 15-30.


Avaliação e Tratamento

Taylor,E. & Sonuga-Barke, E. (2008) Disorders of Attention and Activity In: Rutter, M., Bishop, D.V.M., Pine, D., Scott, S., Stevenson, J., Taylor, E., Thapar, A. (Ed) Rutter’s child and adolescent psychiatry (5th ed), Oxford, Blackwell.

Sonuga-Barke EJS, Brandeis D, Cortese S et al.(2013) Nonpharmacological interventions for ADHD: systematic review and meta- analyses of randomized controlled trials of dietary and psychological treatments. Am J Psychiatry, 170:275-89.

Spencer,T., Biederman, J. & Wilens, T. (2011) Assessment and treatment of ADHD In: Martin,A, Scahill, L and Kratochvil,C. Pediatric psychopharmacology, (pp 437-452) New York, Oxford Press.


Porrino LJ, Rapoport JL, Behar D et al. (1983) A naturalistic assessment of the motor activity of hyperactive boys. II. Stimulant drug effects. Arch Gen Psychiatry 40:688-93.

Graham J, Banaschewski T, Buitelaar J et al.(2011) European guidelines on managing adverse effects of medication for ADHD. Eur Child Adolesc Psychiatry;20:17- 37.

Cooper et al.(2011) ADHD Drugs and Serious Cardiovascular Events in Children and Young Adults. N Engl J Med. 365:1896-904.

Martinez-Rag, J.; Knecht, C.; Szerman, M.; Martinez, M.I. (2013) Risk of serious cardiovascular problems with medications for ADHD. CNS Drugs, 27 (1) 15-30. 

Coghill, D. (2010) The impact of medication on quality of life in ADHD: a systematic review. CNS Drugs 24 (10) 843-66

TDAH e outros trantornos mentais/ TDAH curso e prognóstico

Copeland WE, Shanahan L, Costello EJ et al.(2009) Childhood and adolescent psychiatric disorders as predictors of young adult disorders. Arch Gen Psychiatry; 66: 764-72. 

Costello EJ, Copeland W, Angold A.(2011) Trends in psychopathology across the adolescent years: what changes when children become adolescents, and when adolescents become adults? J Child Psychol Psychiatry 52:1015-25.

Biederman, J., Wilens, T., Mick, E., Spencer, T. & Faraone, S.V. (1999) Pharmacotherapy of AD/HD reduces risk for substance use disorders. Pediatrics, 104: 1-5.

Mannuzza S, Klein RG, Truong NL et al. (2008) Age of methylphenidate treatment initiation in children with ADHD and later substance abuse: prospective follow-up into adulthood. Am J Psychiatry, 165:604-9.

TDAH e neuroimagem:

Cortese S, Kelly C, Chabernaud C et al. Towards systems neuroscience of ADHD: a meta-analysis of 55 fMRI studies.(2012) Am J. Psychiatry; 169:1038-55.

Leia outros artigos :

Postar um comentário

0 Comentários
* Por favor, não faça spam aqui. Todos os comentários são revisados ​​pelo administrador.
 Postagens Relacionadas